quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Procuram-se artistas

Um dos diretores de teatro mais conhecidos da cena mineira, Pedro
Paulo Cava, fez um protesto bem humorado sobre o assédio dos comitês
de candidatos aos artistas, em época de eleição. Indignado, lembra que
depois de eleitos, os políticos não se lembram mais da classe
artística. Vale a pena conferir abaixo.

Época de eleições e os marqueteiros dos candidatos a prefeito começam
a redigir os indefectíveis manifestos de apoio a este ou aquele nome.
O primeiro alvo destes nefastos documentos são os artistas, é claro.
E lá vem eles brandindo os papéis, contabilizando os "notáveis" que
já se declararam a favor de uma ou outra candidatura e que abrem a
lista de assinaturas em um documento redigido sabe-se lá por quem e
com que finalidade.

Há anos me pergunto: se realmente somos tão imprescindíveis assim
em época de eleição, por que nos desconhecem completamente nos três
anos e dez meses que se seguem a esse período?
Há anos, vejo que apenas nós somos capazes de nos comprometer com
um candidato, sem cobrar-lhe nada em troca desse apoio. E porque não
cobramos, ficamos a mercê dos burocratas da cultura que se apossam dos
cargos públicos e ditam normas como se fossem leis e regras como se
fossem verdades e fazem de tudo para que nosso trabalho se torne o
mais espinhoso possível. Como se já não o fosse pela própria natureza
do ofício que escolhemos: a arte.

E tudo o que queremos é que o Estado nos deixe trabalhar e criar
em paz e se puder ajudar ao invés de atrapalhar será melhor, já que é
seu papel constitucional o apoio a Cultura.
Desde a primeira eleição direta para governador em 82, quando
redigimos e assinamos o famoso manifesto pró-Tancredo Neves e este
documento alavancou a campanha do então candidato possível contra a
ditadura, que vejo, a cada ciclo eleitoral, surgir do nada um
documento destes, que nos é apresentado como um apoio fundamental para
que determinado candidato seja eleito a prefeito ou governador.
Parece até que sem os artistas eles nem concorreriam a uma
eleição.
Na época de Tancredo havia um inimigo comum a ser derrotado: o
governo militar. Hoje não, são todos "primos" entre si.

As ideologias foram substituídas pelas "gestões eficazes", os planos
de governo são pasteurizados e se diferem apenas pelo tempo que cabe
a cada um no rádio e na tv.
Se ficarmos atentos, veremos que nenhum dos candidatos
majoritários nos últimos 25 anos jamais assinou um documento se
comprometendo com qualquer realização cultural ou com as categorias
artísticas.
E apesar de receberem gratuitamente este apoio que consideram
vital para sua vitória nas urnas, nunca se debruçaram sobre a mesa
para ouvir um sussurro dos artistas, para dar uma pequena atenção a um
segmento.
Nomeiam à revelia para os cargos da área cultural, um batalhão de
militantes despreparados, de políticos derrotados, técnicos em coisa
nenhuma, artistas que nunca fizeram arte, acadêmicos aposentados,
notáveis em aparecer na mídia, jornalistas desempregados e "gestores
públicos" (o termo anda na moda) que jamais conseguiriam gerir sequer
a própria casa.

Mas na arte e na cultura pode. Vale tudo porque afinal é uma área
tão ampla que qualquer um com uma conversa empolada é capaz de
convencer aos incautos que é uma sumidade em "cultura", seja lá o que
essa palavra signifique.
Por isso não assino manifestos de apoio a este ou aquele
candidato.
E conclamo aos artistas à rebeldia suprema de se negarem a colocar o
"xamegão" sobre um destes papéis que estão vindo por ai.
Deixem que ameacem com todas as retaliações possíveis caso você se
negue a assinar.
Ignore-os, como eles farão com você depois de eleitos.
Seu voto é seu segredo e seu exercício de cidadania.
Secreto, indecifrável, inviolável.
Não o abra publicamente, mesmo porque, se o candidato pelo qual
você se manifestou perder a eleição, será você o alvo dos que chegarem
ao poder e a vingança virá certeira e fulminante.
Infelizmente vivemos em um País em que o Estado é autoritário,
padrasto, irredutível, não perdoa os que contra ele se rebelam ou
apenas exercem o sagrado direito da crítica.
Um Estado em que os homens públicos se acham os donos da coisa
pública e por isso estão acima e além de qualquer cobrança da
sociedade.
Impunes, imunes, intocáveis.
Herança colonial que nunca se apagou do inconsciente coletivo do
brasileiro: o servilismo diante das "pequenas autoridades" mesmo que
eleitas para servir ao que é público. Mesmo que lhes paguemos os
salários com suor e impostos, eles nunca se enxergam como servidores
públicos, mas como autoridades acima do bem e do mal, flanando acima
das nossas cabeças.
E isso serve para todos os poderes da República: Executivo,
Legislativo e Judiciário.

Assim, quando o assédio bater à sua porta , desconverse
mineiramente, faça uma cara de paisagem, diga que vai pensar, vai
consultar a família, conversar com o analista, que não vota em BH, que
não pode assinar porque a mão está quebrada, que é amigo do outro
candidato e que negou a ele também, etc.
Quem sabe na próxima eleição eles nos esquecem?
Abraços
Pedro Paulo Cava.

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